ESTÓRIAS DO MEU MUNDO

Sentado naquela cadeira com a espuma velha e rasgada, em frente a um sujeito acima do peso comecei a falar. Minhas palavras rapidamente se transformavam em caracteres na tela velha e grande daquele computador mal conservado:

Eu gostava do Heitor! Nunca tive nada contra ele, juro!, até participei da sua cerimônia de despedida, no dia 19 de janeiro de 2010. Era um heterônimo tão vivo!

Sim, eu sei que ele foi assassinado. Presumo que foi cruelmente assassinado pelas aventuras que a vida nos faz passar. Mas pelo que sei, a única diferença da morte de Heitor para Ricardo Reis é que o Heitor Renard não morreu por sua vida, não morreu na sua vida, ele foi morto por quem vivia com ele. Me sinto mal em falar, mas sei que foi o Foxx que o assassinou.

Consigo acusar esse amigo de longa data sem remorso - nem dó, afinal, devemos aguentar as consequências dos nossos atos.

Foxx o silenciou com a frase "E Aqui Se Encerram As Aventuras de Heitor Renard: Sua Vida.". Depois disso não ouvi mais falar no Heitor, nem seu nome ser pronunciado. Heitor só estava com uma dúvida, não era o fim da sua vida o fato dele ter se encontrado numa situação que não era de seu círculo de atitudes e ações. Ainda sinto saudade dele.

Nunca conheci Heitor pessoalmente. Quando viajei para Belo Horizonte em dezembro de 2009, para matar a saudade do meu amigo Foxx pretendia encontrá-lo também. Queria saber como era aquele sujeito seguro que me encantava com suas histórias. Lembro de que em uma noitada na boate Josefine perguntei ao Foxx se o Heitor iria aparecer, mas como resposta meu amigo me disse "não, hoje não". Eu já deveria ter desconfiado que ele estava planejando esse homicídio, pois eu conheço Foxx e sei que ele não age por impulso. Ele pensa em tudo antes - e repensa.

Mas o que considero como mais frio foi o próprio Foxx ter anunciado esse assassinato não deixando Heitor ter suas últimas palavras. Heitor era tão bem resolvido, tão seguro de si, tão cheio de vida! Não sei em que local Foxx arranjou coragem para agir dessa maneira.

O quê? O senhor quer que eu falei de como os dois se relacionavam? Bom, creio que eles nunca tenham se encontrado até esse obscuro dia pois ambos eram extremamente opostos: enquanto um escondia - ou não tinha - medos, o outro se escondia - ou apenas mostrava mesmo - os seus, enquanto um seguia em frente, o outro a cada passo olhava para os dois lados - e nem sempre concluía a passada rumo ao norte. Porém mesmo com todas essas diferenças não creio que o motivo tenha sido inveja. Creio que não.

Sim, senhor delegado, eu sei que não há corpo, mas é por isso que as vezes eu tenho dúvida da sua morte. Acusei o Foxx de homicida, mas não sei mais. Acuso por ser a resposta mais fácil a dar. Desculpa se estou confundindo o senhor, mas é que não consigo acreditar em absoluto que o Heitor Renard esteja, de fato, morto.

O senhor deseja que eu dê, então, alguma indicação de onde Heitor possa ser encontrado?

Bom, acho que posso ajudar com isso: basta conversar um pouco com o Foxx que o senhor vai ver que ele ainda está vivo. Em algum lugar, provavelmente mantido em cativeiro e mal alimentado, mas vivo. É possível.